A emergência dos metaversos

 A emergência dos metaversos como proposta educativa impõe-nos o dever de uma análise crítica e fundamentada. Como referem Romero Tori (2023) e Leonel Morgado (2022), não se trata de aceitar de forma acrítica a inovação tecnológica, mas de compreender em profundidade como estas novas realidades digitais podem (ou não) transformar as práticas educativas. O entusiasmo inicial em torno dos metaversos, muito associado ao ressurgimento das tecnologias imersivas após o declínio do Second Life, deve ser equilibrado por uma perspetiva pedagógica reflexiva que situe estas ferramentas no âmbito de um projeto educativo ético, participativo e com sentido.


A Rosa Gaspar e Rafael Vieira destacam com propriedade a distinção entre ambientes digitais tridimensionais e os verdadeiros metaversos educativos, salientando que a imersão significativa não decorre apenas do aparato tecnológico (óculos VR, avatares, ambientes 3D), mas da integração consciente de narrativas, da agência do aluno e da mediação pedagógica (Morgado, 2022). Essa abordagem permite superar visões meramente estéticas e reforça a necessidade de projetos educativos que coloquem o estudante no centro da experiência.

A transversalidade do metaverso em diferentes contextos disciplinares, incluindo o ensino da música, levanta possibilidades particularmente promissoras. Como defendem Silva, Gomes e Martins (2023), o metaverso pode proporcionar um espaço de simulação e experimentação sonora, onde se exploram ambientes acústicos diversos, interações em tempo real e práticas colaborativas entre músicos separados fisicamente. Ao conjugar realidade virtual, gamificação e inteligência artificial, torna-se possível, por exemplo, simular uma sala de concertos, ensaiar com avatares de colegas ou assistir a masterclasses em ambientes interativos e responsivos, promovendo, assim, a democratização do acesso e a personalização da aprendizagem musical.

Contudo, esta promessa exige condições estruturais e culturais. A formação docente surge como ponto nevrálgico. Como alerta a Maria Silva, muitos professores ainda não dominam os ambientes digitais, e a ausência de tempo, recursos e apoio institucional limita a concretização efetiva de propostas inovadoras. Além disso, como observa a Marília Lopes, existe o risco de “digitalizarmos a velha escola” — ou seja, replicarmos práticas transmissivas num cenário visualmente sofisticado, mas pedagogicamente pobre.

A abordagem dialógica da Andréa Veiga e da Pâmella Santos reforça que o metaverso deve ser entendido como espaço de autoria, expressão, pertença e comunicação. A aprendizagem significativa, segundo estas autoras, não emerge da tecnologia em si, mas da relação que se estabelece com ela — e entre os participantes — num ecossistema simbólico onde o conhecimento é co-construído. É nesta ótica que a educomunicação, como defendida por Santos et al. (2020), assume um papel crucial na conceção de experiências pedagógicas transformadoras.

No caso específico do ensino da música, esta mediação ganha contornos muito específicos: o som, o corpo e a interação interpessoal são elementos centrais da aprendizagem musical. É, pois, imperativo repensar como estes aspetos sensoriais e expressivos podem ser adequadamente transpostos — e não simplesmente transferidos — para ambientes virtuais. Uma performance musical em metaverso só será educativa se permitir a escuta atenta, a interação estética e a colaboração criativa — e não apenas a reprodução técnica ou a espetacularização tecnológica.

Como bem observa Morgado (2022), a imersão educativa implica três dimensões: tecnológica (recursos e interfaces), narrativa (significação e contexto) e participativa (interação e agência). É nesta tríade que reside o potencial dos metaversos como cenários de aprendizagem: ambientes habitáveis e simbólicos que integram o lúdico, o colaborativo e o crítico.



Referências bibliográficas

Alves, L. (2008). Relações entre os jogos digitais e aprendizagem: delineando percurso. Educação, Formação & Tecnologias, 1(2), 3–10. [http://eft.educom.pt](http://eft.educom.pt)

 Morgado, L. (2022). Ambientes de Aprendizagem Imersivos. Video Journal of Social and Human Research, 1(2), 102–116. [https://doi.org/10.18817/vjshr.v1i2.32](https://doi.org/10.18817/vjshr.v1i2.32)

Santos, W. C., Pereira, A. M., & Ghisleni, T. S. (2020). A educomunicação como campo do conhecimento para o ensino e aprendizagem no século XXI. Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Humanas, 21(1), 141–151. [https://doi.org/10.37780/dsch.v21n1-011](https://doi.org/10.37780/dsch.v21n1-011)

 Schlemmer, E., & Backes, L. (2015). *Aprender e ensinar em contexto híbrido. Coleção EAD. Editora Unisinos. [https://elearning.uab.pt/pluginfile.php/3932281/mod\_resource/content/1/Aprender\_Ensinar\_ContextoHi%CC%81brido.pdf]

Silva, T., Gomes, L., & Martins, J. (2023). Aplicações do Metaverso no Ensino da Música: Potencialidades e Desafios. Revista Portuguesa de Educação Musical, 14(1), 77–95.

Tori, R. (2023). Metaversos na Educação: conceitos e possibilidades. Video Journal of Social and Human Research, 2(1), 53–66. [https://doi.org/10.18817/vjshr.v2i1.25](https://doi.org/10.18817/vjshr.v2i1.25)

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