Educação e Cognição na Era da Infosfera: Aprender com Tecnologias que Pensam Connosco
Vivemos numa era em que a informação digital se tornou ubíqua e constitutiva da própria realidade. Como afirma Floridi (2014), “a infosfera é hoje o novo ambiente em que vivemos, com sistemas artificiais que não apenas nos rodeiam, mas nos constituem” (p. 41).
Já não estamos apenas a usar tecnologia: habitamo-la. Neste contexto, torna-se imperativo repensar o papel da educação na preparação dos alunos para interagirem com tecnologias que já não se limitam a executar instruções, mas que pensam, aprendem e tomam decisões de forma autónoma.
A afirmação de que o ensino deve preparar os alunos para interagir com tecnologias que pensam com eles — e não apenas por eles — reflecte uma mudança de paradigma.
As tecnologias inteligentes deixaram de ser meras ferramentas para se tornarem agentes cognitivos, que participam ativamente no processo de construção de conhecimento. Este cenário exige uma abordagem educativa que transcenda o domínio técnico e abrace dimensões éticas, epistemológicas e sociais.
Para Floridi (2014), os sistemas inteligentes já partilham connosco tarefas cognitivas, o que exige uma nova ética da delegação informacional. “A questão não é se as máquinas são inteligentes, mas como partilhamos com elas as responsabilidades da ação informada” (p. 94). Neste sentido, pensar com as máquinas significa manter a nossa autonomia intelectual ao mesmo tempo que beneficiamos da sua capacidade analítica, preditiva e colaborativa.
Turkle (2011) adverte que a convivência intensa com tecnologias digitais pode levar à passividade cognitiva e ao isolamento emocional, sobretudo quando estas são usadas como substituto de relações humanas. Segundo a autora, “ao aceitarmos as respostas rápidas das máquinas, esquecemo-nos de fazer as perguntas mais importantes” (p. 168). Esta preocupação encontra eco em Selwyn (2016), que defende uma literacia digital crítica, capaz de capacitar os alunos a compreenderem e questionarem as estruturas algorítmicas, os fluxos de dados e as dinâmicas de poder incorporadas nas plataformas digitais. “Não basta ensinar a usar tecnologia; é preciso ensinar a pensar sobre ela” (Selwyn, 2016, p. 72).
Por outro lado, Romero Tori (2010) reforça a importância da “presença cognitiva” no uso das tecnologias educativas. Para o autor, “as tecnologias devem ser mediadoras da interação, e não substitutas da presença significativa do aluno no processo de aprendizagem” (p. 45). Esta ideia converge com a noção de inteligência coletiva proposta por Lévy (1994), segundo a qual a tecnologia pode potenciar o pensamento em rede e a aprendizagem colaborativa.
Lévy destaca que “ninguém sabe tudo, todos sabem algo, e o saber reside na rede” (p. 27).
Neste quadro, torna-se essencial promover o desenvolvimento da metacognição tecnológica: a capacidade de pensar criticamente sobre o modo como as tecnologias influenciam o próprio pensamento. Educar para esta competência significa dotar os alunos de ferramentas conceptuais e éticas para navegarem na infosfera, compreendendo tanto o seu potencial como os seus riscos.
Ensinar a interagir com tecnologias que pensam connosco é, mais do que uma questão de literacia digital, uma tarefa ética e civilizacional. Trata-se de formar sujeitos capazes de dialogar com a máquina sem abdicarem da sua humanidade — cidadãos críticos, criativos e conscientes, capazes de coabitar uma realidade cada vez mais informacional, sem perder de vista o seu papel ativo na construção do conhecimento e da sociedade.
Referências
Floridi, L. (2014). The fourth revolution: How the infosphere is reshaping human reality. Oxford University Press.
Lévy, P. (1994). L’intelligence collective: Pour une anthropologie du cyberspace. La Découverte.
Selwyn, N. (2016). Education and technology: Key issues and debates (2nd ed.). Bloomsbury Academic.
Turkle, S. (2011). Alone together: Why we expect more from technology and less from each other. Basic Books.
Tori, R. (2010). Educação sem distância: As tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem. Editora Senac.
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