Reflexão Crítica: Seleção de Ambientes e Plataformas Digitais em Ecossistemas Híbridos de Aprendizagem
1. Fundamentação Pedagógica: tecnologia como meio, não como fim
Como referem Moreira e Horta (2020), a tecnologia deve ser compreendida como um meio pedagógico e não como um fim em si mesma. A escolha de plataformas digitais exige, por isso, um posicionamento pedagógico claro que as alinhe aos objetivos de aprendizagem e aos contextos dos estudantes (p. 43). Esta ideia encontra eco em Moran (2015), que defende que “as tecnologias não ensinam por si só – são meios, não fins” (p. 65).
Maria Isilia Videira e outros colegas sublinharam que a decisão de adotar um determinado ambiente digital deve responder a critérios de pertinência pedagógica, flexibilidade, acessibilidade e ética. Nesse sentido, a proposta de Moreira e Horta (2020) sobre a inovação sustentada revela-se especialmente relevante: a escolha de plataformas deve promover uma reconfiguração intencional das práticas de ensino-aprendizagem, assegurando a coerência entre espaços, tempos e metodologias (p. 47).
2. Ecossistemas híbridos e critérios de seleção
A criação de ecossistemas híbridos eficazes exige ambientes que permitam a integração de múltiplos formatos – presencial, online, síncrono e assíncrono – de modo coeso. A interoperabilidade entre plataformas e a facilidade de navegação são aspetos essenciais. Moreira e Horta (2020) destacam que um bom ambiente digital deve ser intuitivo, permitir personalização e favorecer a comunicação e a autonomia dos aprendentes (pp. 48-49).
Exemplos como o Moodle e o Microsoft Teams ilustram esta realidade. O Moodle, por ser open source e altamente personalizável, tem sido amplamente adotado no ensino superior (Silva & Barbosa, 2020, p. 733). Já o Microsoft Teams destaca-se pela integração de funcionalidades síncronas e assíncronas, potenciando uma gestão integrada do trabalho colaborativo. No entanto, estas escolhas devem ser informadas por critérios como acessibilidade, usabilidade e sustentabilidade a longo prazo (Mollenkamp, 2022).
3. Interatividade, habitabilidade e presença pedagógica
Um dos pontos mais discutidos foi a necessidade de desenhar ambientes “habitáveis”, conceito desenvolvido por Heppell (2012), e recuperado por Moreira e Horta (2020), onde os estudantes se sintam representados, confortáveis e motivados a aprender (p. 49). Esta habitabilidade está relacionada com a clareza da estrutura do curso, o apoio emocional e a presença ativa do professor nos ambientes digitais.
Neste sentido, Garrison e Vaughan (2008) introduzem o conceito de presença de ensino, que compreende a forma como o professor guia, motiva e facilita a aprendizagem em ambientes online (p. 34). Ferramentas como fóruns moderados, feedback personalizado e canais de comunicação síncrona (como o Zoom ou o Teams) são essenciais para garantir esta presença. A ausência desta componente pode gerar desengajamento e sentimento de isolamento nos estudantes.
4. Ética, inclusão e literacia digital crítica
As dimensões ética e inclusiva também devem orientar a escolha de plataformas. É necessário garantir que as ferramentas respeitam os princípios de proteção de dados e que são acessíveis a todos os estudantes, incluindo os que enfrentam barreiras socioeconómicas ou tecnológicas. Jhangiani e Biswas-Diener (2017) alertam para o risco de reproduzir desigualdades no ambiente digital se não forem adotadas práticas pedagógicas abertas e inclusivas (p. 19).
Paralelamente, o uso da tecnologia deve promover a formação de cidadãos digitais críticos. Kukulska-Hulme et al. (2024) defendem que os ambientes digitais devem ser espaços que estimulem o pensamento crítico, a coautoria e a reflexão ética sobre o uso da tecnologia (p. 11). O relatório Innovating Pedagogy 2024 introduz o conceito de pedagogias especulativas e de paz, que valorizam a empatia, a justiça social e a inclusão – princípios fundamentais na construção de ambientes digitais éticos.
5. Formação docente: condição estruturante
A eficácia dos ambientes híbridos está condicionada à preparação dos docentes para utilizarem as plataformas digitais de forma crítica e intencional. Moreira et al. (2020) sublinham que a formação contínua dos professores é um dos pilares para a inovação sustentada, destacando a importância da literacia digital, do design pedagógico e do trabalho colaborativo entre pares (p. 14).
O modelo TPACK (Technological Pedagogical Content Knowledge), revisto por Martins et al. (2022), propõe uma abordagem integrada dos saberes tecnológicos, pedagógicos e disciplinares, permitindo ao professor planear práticas digitais que façam sentido no seu contexto (p. 11). Este modelo tem sido aplicado com sucesso em formações dinamizadas por instituições como a Universidade Aberta, promovendo uma abordagem reflexiva, situada e colaborativa à inovação pedagógica.
6. Exemplos práticos e sustentabilidade tecnológica
Além do Moodle e do Microsoft Teams, plataformas como o Google Classroom, Brightspace e Edmodo demonstram as diferentes possibilidades e limitações dos ambientes digitais. O caso do Edmodo é paradigmático: apesar de ter sido largamente adotado no ensino básico, a sua descontinuação em 2022 expôs a vulnerabilidade de depender de plataformas gratuitas sem garantias de continuidade (Mollenkamp, 2022). Este exemplo reforça a necessidade de considerar a sustentabilidade tecnológica como critério ético e estratégico na adoção de plataformas digitais.
O Brightspace, por outro lado, destaca-se pelas suas funcionalidades de learning analytics, que permitem acompanhar o progresso dos alunos e intervir de forma personalizada. Esta capacidade de apoio à avaliação formativa e adaptativa é valorizada por Silva e Barbosa (2020), que identificam na personalização da aprendizagem um dos benefícios centrais dos ambientes virtuais (p. 741).
A seleção de plataformas digitais deve resultar de uma análise crítica e multidimensional, que considere critérios pedagógicos, técnicos, éticos e contextuais. Como refere Freire (1996), ensinar é um ato de responsabilidade ética e política, e as escolhas tecnológicas fazem parte desse compromisso (p. 25).
Ao desenharmos ecossistemas híbridos de aprendizagem, devemos procurar criar ambientes habitáveis, participativos e alinhados com os valores da inclusão, da liberdade e da formação integral dos aprendentes. Mais do que procurar “a melhor ferramenta”, devemos garantir que as nossas escolhas tecnológicas estejam ao serviço da construção de uma escola mais humana, justa e significativa.
Referências Bibliográficas
Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra.
Garrison, D. R., & Vaughan, N. D. (2008). Blended learning in higher education: Framework, principles, and guidelines. San Francisco: Jossey-Bass.
Heppell, S. (2012). Learning spaces for the future. In Building Schools for the Future: Lessons Learnt (pp. 105–112).
Routledge.
Jhangiani, R. S., & Biswas-Diener, R. (2017). Open: The philosophy and practices that are revolutionizing education and science. Ubiquity Press. https://doi.org/10.5334/bbc
Kukulska-Hulme, A., Wise, A. F., Coughlan, T., et al. (2024). Innovating pedagogy 2024: Exploring new forms of teaching, learning and assessment. The Open University. https://www.open.ac.uk/innovating
Martins, N., Costa, C., Silva, R., & Martins, F. (2022). TPACK: Uma ferramenta para a integração da tecnologia no ensino e na aprendizagem. Instituto Politécnico de Coimbra.
Mollenkamp, D. (2022, agosto 16). Popular K-12 Tool Edmodo Shuts Down. EdSurge News. https://www.edsurge.com/news/2022-08-16-popular-k-12-tool-edmodo-shuts-down
Moran, J. M. (2015). A educação que desejamos: Novos desafios e como chegar lá (6.ª ed.). Papirus.
Moreira, J. A., & Horta, M. J. (2020). Educação e ambientes híbridos de aprendizagem: Um processo de inovação sustentada. Revista UFG, 20, e66027. https://doi.org/10.5216/revufg.v20.66027
Moreira, J. A., Henriques, S., Barros, D., Goulão, M. F., & Caeiro, D. (2020). Educação digital em rede: Princípios para o design pedagógico em tempos de pandemia (Coleção Educação a Distância e eLearning, Nº 10). Universidade Aberta.
Silva, E. C., & Barbosa, R. F. (2020). Ambientes virtuais de aprendizagem e a personalização da aprendizagem no ensino superior. Revista e-Curriculum, 18(4), 727–746.
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